O que é esta coisa de ser mãe de uma criança com algum tipo de diagnóstico, mais ou menos complexo?

É ser mãe. É cuidar e amar em unidades desmedidas.

É receber um diagnóstico que tira o chão, faz arregaçar as mangas e eventualmente traz paz. Sem nunca esquecer que – e repitam comigo – um diagnóstico não define uma criança nem a sua mãe.

Neste dia da mãe partilho o testemunho de mães que em algum momento sentiram aumentar o nível de exigência do seu papel.

Aumentaram o número de competências em grande escala, dão voz aos direitos dos seus filhos e lutam contra a falta de acessibilidades e empatia, têm doutoramento em rotinas, antecipam cenários e põem a mão na massa para fazer acontecer.

E – notícia de última hora – todas, sem excepção, trazem no bolso uma mão cheia de amor sem fronteiras.

São testemunhos em bruto e bonitos das suas realidades. E podem ser palavras do futuro para quem está agora a lidar com um novo diagnóstico.

Leiam e partilhem.

Porque eu tive o descaramento de as desafiar a partilhar com o mundo as suas experiências para fazermos chegar estas palavras a quem possa estar a precisar de as ler neste momento. Para juntarmos mais este bloco na construção de um mundo inclusivo e empático pelas diferenças de cada pessoa.

Obrigada a todas. Se ainda não as conhecem, fiquem a conhecer o trabalho incrível que estão a fazer e façam chegar o vosso amor a estas 7 mães tremendas. 

Cristiana
Raquel
Rita
Sara
Andreia
Tatiana
Patrícia

Cristiana @oespiritodamula

Entrar no mundo da maternidade atípica é saltar para um comboio em andamento e ir mudando de função a cada instante.

É ser passageiro, ser o revisor, ser o maquinista e, às vezes, saltar do comboio e ir mais além mexer na agulheta que faz mudar o destino da locomotiva.

A paisagem muda, a bagagem acrescenta, o caminho é sobressaltado mas na maioria das vezes é bonito. 

Metáforas e toda a possível romanização guerreira à parte, entristece-me que se exija à luz da sociedade actual, que a mãe (ou a pessoa com a maior fatia da responsabilidade parental) tenha um papel preponderante na reabilitação da criança mas que não seja tida em conta como uma dimensão a ser avaliada e intervencionada, por sistema, tendo por objectivo o desenvolvimento saudável do filho.

Ser mãe atípica por si só, não define ninguém mas inevitavelmente transforma o olhar de quem vê e de quem se vê. É um mergulho quase sempre em águas turvas: não se sabe se ou quando se embate numa rocha, não se sabe se ou quando aparecerá uma sereia, sabe-se que venha o que vier, se vai fazer o melhor que se sabe com as ferramentas de mãe (só mãe) que se tem.

Raquel @teresinha_amorcura

Em 2020 tive gémeos, sendo que a menina nasceu com uma doença genética rara.

O Mundo desabou, mas rapidamente teve de se erguer, pois tinha 2 bebés e uma filha já com 5 anos.

Tive de começar a aprender a ser enfermeira, pois a minha filha precisava de cuidados e eu não queria estar sempre a ir ao hospital. Como mulher e mãe, é de uma exigência extrema.

Deixei de trabalhar para me dedicar inteiramente à recuperação da minha filha e para ter que gerir uma casa e mais dois filhos. Apesar de ter muita ajuda do meu marido e dos meus pais, fui eu que mais abdiquei da vida que tinha.

Quando existe um diagnóstico tudo muda e a nossa vida é toda reorganizada para melhorar a qualidade de vida dos nossos filhos.

Eu tento focar no acto de dar mimo na tentativa de minimizar qualquer mal-estar e de desviar a atenção. Ao mesmo tempo que tenho de comunicar com e processar toda a info de todos os médicos e enfermeiros.

No meu caso também foi muito difícil gerir uma filha mais velha que teve uma mudança radical da sua vida. Era filha única e de repente passou a ter dois irmãos sendo que um deles precisava ainda de mais cuidados.

Tentamos sempre ao máximo não alterar muito a rotina de família, mas sempre que vem umas férias, ou um passeio mais alargado, tem de ser tudo bem pensado em função da Teresa. A logística é bastante diferente, para um simples passeio temos que levar muita “maquinaria”..
Acho que com muito esforço estou a conseguir ser uma boa mãe “atípica”.

Rita @amagoservisivel

Ser mãe atípica é fazer, ser, estar, acontecer, antecipar. É tornares-te a maior conhecedora do teu filho, é estar sempre na frente, garantir que as coisas acontecem, que está sempre tudo a fluir. 

Mas ser mãe atípica também pode ser exaustivo e por isso é essencial saber onde parar, saber pedir ajuda, saber quando respirar. É saber cuidar, mas permitir ser cuidada também.

É ensinar e aprender, todos os dias. Não é fácil quando se entra neste mundo e uma das coisas mais difíceis talvez seja quando olhamos à nossa volta e por muitas pessoas que lá estejam, facilmente nos sentimos sozinhos. Durante muito tempo não percebi o que fazer com essa solidão, até que comecei a falar sobre ela. 

As pessoas muitas vezes não sabem como agir ou não sabem o que dizer, e facilmente acabam por se afastar. Mas podemos falar nós, sobre o que precisamos e o que sentimos. Podemos envolver as pessoas de forma a não estarmos tão sós.

Ninguém está sozinho. E tu também não estás.

Nos dias menos bons, em que nesta maternidade atípica me sinto invadida pela incerteza, gosto de me lembrar de uma música do Sérgio Godinho que diz:

“E entretanto o tempo fez cinza da brasa
E outra maré cheia virá da maré vaza
Nasce um novo dia e no braço outra asa”

Amanhã é sempre um novo dia, com novas conquistas, com novas energias.
Seguimos, juntos!

Sara @smile_its_autism

Antes do autismo, tudo era normal, era tudo tão fácil e eu não sabia. 

Quando eu falava a minha filha ouvia-me e respondia-me sempre. Ser mãe era tão fácil.

Depois apareceu o autismo e retirou-me o chão dos pés, o que tinha como garantido. Enfrentei este desafio com resiliência e com muito amor.

Mas estive em lugares sombrios em que não desejava ter estado. Tive dias de tristeza e de solidão (mesmo estando acompanhada) em que o meu maior medo passou a ser morrer e deixar o meu filho neste mundo sem inclusão.
Ser mãe deixou de ser uma tarefa fácil.

Nenhum livro me explicou como seria ser mãe atípica, nenhuma vivência da minha anterior maternidade explicou o que ainda viria.
Fiquei às escuras e à procura de um caminho sem mapa. Ser mãe neurodivergente, ensinou-me a aceitar o passado, o presente e saber o caminho que quero no nosso futuro. Não era só o Pedro que tinha de aprender, eu tinha de aprender tudo e poder ensinar ao meu filho o que era alimentar-se sozinho, fazer pedidos, falar, atender aos meus pedidos, escrever… tudo o que vem como garantido para uma criança típica.

As repetições vieram e mantêm-se até hoje. Todos os dias à mesma hora, repito o mesmo para que ele aprenda.
Uma mãe típica preocupa-se sempre, uma mãe atípica até a dormir se preocupa.
Conviver com o meu filho foi o melhor que me aconteceu como pessoa, sou ativista pelo autismo e pela inclusão. Odeio o autismo e se pudesse mudaria a vida do meu filho, mas sem ele não seria a mãe e a mulher que sou hoje. Preocupada com o próximo e disposta a ajudar outras famílias.

O meu desejo é que todas as mães esqueçam o sofrimento e que visualizem um futuro feliz, mesmo que este não seja o que sonharam para os seus filhos.
O meu sonho é que todas as escolas sejam inclusivas e que os professores não se esqueçam da sua missão de ensinar, mesmo que a criança seja desafiante.

Conviver com o meu filho autista foi uma oportunidade para eu sentir o mundo de uma maneira vibrante e apaixonada, saber que o errado pode estar certo. 

Sou mãe atípica com o mesmo AMOR. 

Feliz dia das mães a todas as mães que amam os seus filhos. 

Andreia @andreiamoreirasantos

O dia em que tornei Mãe.
Parece tão simples, bastava citar a tua data de nascimento. Dizem por aí que quando nasce um filho nasce uma mãe. Mas não.

No dia em que tornei mãe tu já andavas pelo próprio pé, tinhas um sorriso rasgado e um olhar distante.

No dia em que me tornei mãe recebi o teu diagnóstico, que em boa verdade não foi inesperado.

Quando chamava o teu nome raramente viravas a cabeça para responder. Teimavas em colocar todos os teus brinquedos em fila num autêntico desfile pela casa. As palavras insistiam em não surgir e a indiferença pelos demais já nos indicavam há muito que o teu cérebro se ligava ao mundo de uma forma peculiar.

No dia em que me tornei mãe, num país longe de casa, a ouvir o especialista, apenas confirmei as nossas suspeitas. Percebi de imediato que o nosso caminho seria sinuoso, as nossas conquistas diferentes e que acima de tudo o meu propósito de mãe ganhava outra dimensão. Indubitavelmente nascia ali.

No dia em que me tornei mãe o teu pai agarrou-me a mão com força enquanto te levava ao colo. Nenhum dos três caiu. Da tua avó, a minha querida mãe, recebi amor em forma de palavras que só uma mãe sabe pronunciar.

No dia em que me tornei mãe a noite foi intensamente escura, mas a manhã surgiu com um sol avassalador.
O mar da Florida era tão quente e acolheu-nos numas férias que ficarão para sempre na nossa memória; o teu sorriso de alegria ao sentir o calor do mar foi a maior experiência sensorial que te podíamos dar. E nesse teu sorriso inesgotável eu vi um horizonte de luz.

A aceitação é o desígnio mais bonito de uma mãe, é um infinito acreditar que a família e o amor têm o poder mágico de tornar a diferença em igualdade e respeito.

O medo está no desconhecido e o preconceito não nos conhece.
Partilhar a nossa história é contribuir para o nascimento de mais uma mãe.

E no dia em que me tornei verdadeiramente mãe, tu meu filho amado, renasceste ainda mais perfeito.

O meu filho Francisco é autista.
Autismo não é uma doença. Autismo é uma alteração do desenvolvimento que afecta a comunicação, as relações sociais e a forma como o mundo é assimilado.
Conhecer um autista é mergulhar num universo que se renova a cada dia.

Tatiana @sofiamonteiro2015

Perguntou-nos a Lina o que é ser Mãe atípica?
Uma boa pergunta para a qual não sabemos bem a resposta!

No nosso entender não há mães «típicas» e mães «atípicas»… Há Mães!! Mães que, cada uma à sua medida, têm que responder às necessidades dos seus filhos. E no meu entender é só isso.

A questão pode residir, sim, no facto de alguns filhos terem necessidades mais específicas e mais complexas que outros e, dessa forma, exigirem mais de nós… Mas não é por isso que passamos a ser Mães «atípicas» no sentido de nos destacarmos mais do que as restantes. 

Apenas temos filhos que acabam por requerer mais atenção e cuidados da nossa parte (digo isto porque ainda está muito presente a ideia de que uma mãe de uma criança com deficiência é uma “Super Mãe”…).

Para mim, sou uma Mãe que cá estou para tudo o quanto a Sofia precisa. Só isso!

É certo que a exigência é maior, os desafios são mais ousados e tudo acaba por requerer um maior esforço e dedicação da nossa parte… Mas isso não é nada comparado com o que a Sofia me dá!! E ela dá-me tanto!! 

Com a Sofia aprendi a dar valor aos mais ínfimos pormenores e às mais pequenas conquistas. Aprendi a ser uma pessoa melhor, mais solidária e a pensar mais no próximo… Com ela cresci e descobri que o meu propósito ia muito além do que eu imaginava e planeava… 

Aprendi a ver a beleza da diferença e a saber, sempre, encontrar a perfeição em cada bocadinho da nossa história!! E que linda história estamos a escrever juntas! 

Patrícia @patricia_special_life

Olá, eu sou a Patrícia, mãe de 3 filhos. Tornei-me mãe aos 22 anos quando engravidei do Diogo. Ainda a terminar o meu curso deparei-me com uma maternidade não planeada nem nunca pensada. 

A primeira experiência da maternidade foi como um novo curso pois agarrei-me a todos os livros que existiam desde a gravidez até aos primeiros 6 anos de vida. Com total inexperiência e falta de aptidão para a maternidade fui aprendendo conforme podia.

Aos 30 anos, já planeado e bem programado nasce o Vasco. Já não iria precisar de novo curso, achava eu. Aos 6 meses é detectado um atraso de desenvolvimento e uma baixa de mielina. Nesse momento precisava de um novo curso! Não tinha manuais, livros, blogs de mães, não tinha experiência e não fazia a mínima ideia do que era suposto fazer. Não tinha diagnóstico, e não tenho até hoje, e não sabia por onde começar. 

Começou a fazer fisioterapia aos 8 meses onde lembro-me de olhar para os movimentos da terapeuta e pensar como é que aquilo iria ajudar o meu filho sendo que ele não respondia a nada… Nos anos seguintes entrei na caótica vida da mãe atípica. Médicos, muitos médicos, terapeutas, análises, suspeitas de diagnóstico, tratamentos promissores, opiniões alheias, culpa, ódio, raiva, tristeza, depressão e principalmente… solidão. Era o mundo atípico das mães atípicas!

A trabalhar 12 horas por dia para tentar não pensar muito nesta maternidade, o Vasco foi-se adaptando à creche, à escola, à vida dos pais e da família. Era mais um membro da família que precisava de algumas adaptações. 

Falava com alguns pais que encontrava nas terapias e fugia da conversa cansada e depressiva que ouvia. Fugia de uma parte de mim que nem me permitia sentir. Afinal sou de uma família de matriarcas que nunca vergam perante qualquer adversidade. O que é bom para todos menos para nós que nos transformamos nas tais super mulheres que tanto nos chamam e que nós queremos ser. 

Mas esse super poder chama-se AMOR porque se não cuidarmos de nós com muito amor, a queda pode ser grande e muito dolorosa.

Hoje com mais uma filha de 3 anos com trissomia 21 voltei a ter uma maternidade atípica mas agora com todo o conhecimento tanto da maternidade atípica anterior como da própria condição genética que é amplamente estudada e que tem vários manuais tanto a nível médico como a nível social e pedagógico.

Hoje, com toda a clareza, estudo e dedicação às minhas emoções consigo entender todo o processo de ter um filho com deficiência ou doença crónica, todos os processos de luto do filho idealizado que acontecem em todos os membros da família e consigo hoje acolher a maternidade atípica de muitas mães.

Passei a ser ativista das pessoas com deficiência e a trabalhar em exclusivo nesta área, em especial com as mães. Porque a inclusão começa sempre na família.

Feliz dia para todas as mães atípicas do mundo! Sem elas no mundo não há mudança de comportamentos, de acessibilidades, de representatividade! Sem as mães o mundo nunca irá entender as necessidades dos filhos!

E por isso cuidar das mães/cuidadoras é peremptório para a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.